Um dia a ti escrevi as mais puras rimas
dei-te meus cheiros, meus sons e cores
estampei a folha vazia com a melodia
que corria por minhas entranhas e veias
Dei-te tanto...
todos os meus gestos, meus segredos
e sentidos. Dei-te toda a força
da amizade que de mim jorrava
Foste imaginário amigo,a minha verdade,
minha ancora, minhas pernas e braços
mas partiste sem uma palavra,
como só partem os covardes...
Não quero mais sentir este nó
que sufoca meus olhos,
cega meu grito,
cala minha pele.
Não há mais lugar para perdas
nada mais contabilizo,
Compreendi que meros momentos fugidios
não levam a lugar algum.
Pois vai...
perde-te nos emaranhados
(da tua própria dor)
quem sabe um dia percebas
que estive ao teu alcance e
deixaste-me escapar....
Andréa Motta
30/05/04
Fecho os olhos
aguço meus sentidos
olfato, tato...
Sinto-o solto
valsando
como o voar de uma gaivota
sobre a praia.
Amarro-me em suas asas
guiando-me pelos seus sonhos.
Enternecida, minha essência
envolve-se em seu pulsar suave
sobre a minha pele.
Confundem-se transpirações
os corpos enroscados...
os dedos desembaraçados...
desejos...
Eternizo o silêncio do momento.
Descerro os olhos
as imagens ficam baças
privo-me dos devaneios do pensamento...
ao despertar.
Andréa Motta
Caminhos cruzados entre flores e paralelepípedos, os olhos percorrem a fachada dos antigos casarões, símbolos de uma era de riqueza cultural.
Ana Maria relembra o chá das cinco na Schaeffer, onde se encontrava a melhor coalhada da cidade, o burburinho no salão, a mistura de notícias, políticas e/ou sociais, as anedotas sobre a canseira do fórum, poesia e tanto mais...
Com ar nostálgico, entra numa antiga livraria e dirige-se à estante de livros jurídicos; não os encontra no mesmo lugar, fica olhando o vazio. Não que as prateleiras estivessem desocupadas: nelas, apenas se encontra material escolar. Então indaga à vendedora a nova localização daquelas preciosidades...
- Com ar perplexo, como se Ana Maria houvesse saído de um mundo desconhecido a ela, a vendedora responde-lhe ligeiramente Não comercializamos este tipo de obra !
Ana permanece estática por alguns instantes, surpresa com a notícia, sente os olhos marearem e volta à rua. Caminha lentamente naquela mesma calçada que tantas vezes subiu e desceu em passeatas, em direção ao trabalho, à faculdade ou, simplesmente, pelo prazer de caminhar, de respirar.
Hoje, no entanto, sente-se como uma barata tonta (sabe-se lá se baratas ficam tontas! mesmo assim parece uma), seus olhos percorrem rapidamente a arquitetura, a calçada, os canteiros...e os rostos...Ah os rostos!
Continua ali por um tempo , anônima, como sempre quis estar. É a primeira vez que consegue... quantas vezes assim se imaginou: um rosto qualquer entre tantos outros.
Mas hoje, estando exatamente como queria - sendo ninguém meio à multidão - chorou.
Sim chorou, porque percebeu que durante os últimos 15 anos viveu em um mundo fantasioso, mesmo que aparentemente fosse tão real.
Percebeu que está tão perdida e só hoje como esteve, exatamente no mesmo lugar, uma década e meia antes. Diante de seus olhos, desfilam todos aqueles anos de trabalho árduo, sucessos , realizações e reconhecimento profissional, decepções...
Sim, foram tantas as decepções, que Ana Maria pode ouvir perfeitamente o estalido ígneo do silêncio queimando o seu peito. Esteve cega, não obstante, felizmente, não tenha deixado corromper-se pelo brilho do ouro.
Só o sempre procurado anonimato seria capaz de arrancá-la do transe de ser alguém por seus próprios méritos.. Sim, era isto que obstinadamente buscara durante anos a fio, e para quê?
- Onde esta busca me levou? Indaga-se agora que encontrou o anonimato.
Reflete: O que pretendo fazer da vida sendo eu apenas eu e mais nada? De que me serve agora o conhecimento acumulado ao longo destes anos todos se os fechei no baú da minhalma e, conscientemente, recuso-me a encontrar a chave para reabri-lo... ?
Em resposta, diz a si mesma: Nunca imaginei, inconseqüente, que ser apenas um rosto em meio à multidão fosse tão dolorido e me levasse a tantos questionamentos sem respostas.
Nunca vou crescer (não quero mesmo crescer), mas preciso encontrar um caminho, preciso me sentir viva! Ser anônima não pode ser sinônimo de morte. Continuo sem respostas.
Ana Maria passa as mãos por sua face, enxuga as lágrimas, respira fundo e continua caminhando entre os antigos casarões, buscando no estilo arquitetônico as beiras e eiras, nas varandas a jardineira e na calçada os candeeiros...sorri, observando o corre-corre das pessoas absorvidas pela escassez de tempo, ensimesmadas.
Com o entardecer, sente a brisa tocando-lhe suavemente a pele, pode ouvir em seu murmúrio palavras com as quais há algum tempo tingiu folhas e folhas de papel, repetindo-as baixinho :
Como ousa tentar me silenciar, quando em mim as palavras fluem até mesmo sem que eu as perceba? Como ousa tolher a minha voz arrancar dos meus dedos cada palavra parida? Ate-me (se te fizer feliz). Jogue-me numa cela escura e suja. Nem assim me calará!.
Não me condene. Não me amordace. Deixe-me exteriozar meu sentir. Minhas palavras (reflexos de mim mesma) serão sempre livres.
Percebe finalmente, que é seu próprio algoz!
Agora, livre de seus fantasmas, volta a viver.
Andréa Motta
Último Ato
Caem as máscaras
Fecham-se as cortinas
Nada mais há para ser dito
Tudo soa falso
Quando se perde a confiança
Chega a ser cômico
Estacionar numa vaga ilusória
Viver meras fantasias
Como se fosse realidade
Quanta criatividade desperdiçada
Na extrema aflição da procura...
Quem sabe de um lugar ao sol
Ou a terra....
Quantos sonhos pisados
Em nome da concórdia
Quanto egoísmo vestido de respeito
Quantas omissões
Quantas ilusões...
Ilusão!
Enxertos
Pingos de tinta
Num último ato
Massageiam o ego!
São tantos quantos
Que até perco a conta
O momento e o ponto
Abafado por reticências...
Palmas
Aos efeitos cênicos
O show acabou
Apagam-se as luzes
E, que venham os cães.....
Andréa Motta
02/10/03
Vale dos Deuses
Esta árvore parece não ter vida. As folhas não se mexem e a culpa não pode ser só do vento que não veio esta noite. Desta árvore só se percebe a sua presença, porque uma luz amarela do foco na parede lhe ilumina os galhos mais altos. Há uma banda a cantar na televisão. Num canal cujo nome começa por W e mais quatro letras. A vocalista tem um chapéu de malha, com a pala virada para o lado esquerdo. Não chego a perceber se é branca ou negra clara. De qualquer modo, chamam-se 4 Non Blondes, mas a guitarrista parece um homem. Pela varanda, chega um cheiro a gasóleo queimado que sai de um escape de um Oldsmobile abandonado com os faróis acesos. Um rasto de pequenas manchas no asfalto, pingando continuamente da mala do Oldsmobile para o asfalto. Um cão negro lambe uma mancha e avança para a seguinte, até chegar à mala do carro. Depois cheira e começa a ladrar. Aparece um puto na televisão a fazer publicidade a uma marca de jeans. Desliza num roller skate junto à praia e no fim caminha contra o pôr do Sol e diz: "this is me"! Por esta altura olho pela janela e noto um carro da polícia parado mesmo atrás do cão que já não ladra.
As luzes da sirene são vermelhas. Como as manchas do chão.
A árvore mexeu-se, podia jurar. Talvez tenha sido só um gemido...
Nota: Para ler mais obras do Carlos, acesse O Micróbio e deixe-se infectar, vale a pena. Confira!
O que escrevo não passa
de um amontoado de l
e
t
r
a
s
sobrepostas
refletem um estado de alma,
- sem calma-
São pinturas em telas imaginárias
desabafos grafados em tinta visível
e sentimentos invisíveis.
Um total desassossego
p
e
r
c
o
r
r
e
minhas alamedas despovoadas,
São cantigas desafinadas,
perdidas, no vão da memória.
Fronteiras no tempo, rituais,
m
e
d
o,
influências, gritos opacos.
Adrenalina engarrafada
no silêncio ocular engolido a seco,
no dia anterior ao caos.
São dores
e dores ao reverso,
talvez sejam
energias libertárias e nada mais!
Andréa Motta
23-24/05/05
Por caminhos desiguais
ando tão só
sigo em passos acelerados
quero a tua alma chegar
E nela deixar meu corpo incendiar
sem medo de te acompanhar
colher nas tardes sem tempestades
ventos de pele
a noite carícias indecentes
e ao amanhecer
me perder no vai e vem
das vagas da tua paixão.
Quero desligar o interruptor
das palavras e do tempo
e me deixar levar...
Andréa Motta
24/05/05
Tinjo as letras de negro,
escapou por entre meus dedos
a cumplicidade ardente do azul
Se eu jogo sozinha
se perco ou se ganho
não faz diferença
no caminho que segues
Eu já estava só quando
devoraste minhas letras
emboscaste meus sentidos
queimaste meu ar
Portanto agora seja o que for
não perco mais o rumo
apenas sumo e mergulho
na curvatura do y
Já não ando desprevenida
deixei a distração descansar
hoje, eu alcanço a margem direita
mesmo sem saber nadar.
Hoje, me recuso a calar
que a tua ausência
corroi as lâminas
do aparelho de barbear
Hoje...
nada há para abraçar
fecho meus braços e botões
já não me quero nua
sob o teu cobertor.
Andréa Motta
24/05/05
Nota: Aceito sugestões para título, obrigada.
Algures,
No prazer do texto...
Sentidos interiores expostos
na busca incessante do conhecimento
no desvendar do saber.
Olhos ávidos interessados
na tradução de outros egos,
não menos afoitos.
Desabafos quase imperceptíveis
nas entrelinhas escritas conscientemente,
em jogos de sedução.
Letras existenciais ou poéticas,
técnicas ou intelectuais,
no respirar das emoções.
Allures...
No prazer do texto.
Um aquietar de alma,
o simples sentir das palavras
além de pensamentos desalinhados.
Orgasmo incontido de subjetivas verdades
escamoteadas entre simbolos rabiscados
na busca do equilíbrio dos sentimentos.
Andréa Motta
Nos olhos um intenso desalento,
nas mãos gestos vagos,
na alma a melodia amena de um piano...
Minha canção me conduz a versos
de rimas tristes e incertas...
Poema : Andréa Motta
. Trova!
. Signa
. Nudez
. 2009!
. 25 de novembro dia intern...
. Ação de Incentivo à Leitu...